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Por que não consigo agir de acordo com o que penso?

Sabe o que deve ser feito, mas não faz? Finalmente tomou a decisão, mas o primeiro passo não acontece?


Nas reflexões sobre o comportamento humano, há uma pergunta que não falta. Mais do que uma interrogação, é quase uma perplexidade: por que não consigo implementar o bom e o certo que decido? Racionalmente sei o quê e porquê devo fazer. Estou consciente da atitude correta… mas na hora, não dá, falta a atitude. Porém, esse é uma assunto que não deveria nos tirar o sono. O assombro não tem razão de ser.

Não é uma praga moderna, confusão mental ou fraqueza de caráter. É humano e nos acompanha desde o início dos tempos. E mesmo os melhores não escapam ao drama. No ano de 55, na Grécia, o apóstolo Paulo escrevia que “o querer (fazer bem e ser bom) está em mim, mas não consigo! Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero”.

A dificuldade vem de muitas direções. O que é uma boa notícia porque significa que as ferramentas para o seu combate também são muitas. Filósofos contemporâneos acreditam que falta cenário para as resoluções ativas.

É necessário espaço mental para as várias batalhas internas. Bauman, um feroz crítico da modernidade, afirma que na sociedade tecnológica não há lugar para o propósito ou sentido de vida porque o espaço está completamente preenchido por sensações vindas da internet, do sexo, do álcool, das compras e de outras distrações.

A doença

Há quem diga que Bauman é um pessimista rabugento, mas os profissionais da área psi concordam com ele: o homem do século XXI está psicologicamente doente. O consumo galopante de medicamentos para a ansiedade e a depressão confirmam. O estilo de vida atual tem a sua cota de responsabilidade? Tem.

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Vivemos numa sociedade hiperestimulada que nos deixa constantemente em alerta. Mas há saídas. Podemos sempre fazer algumas barreiras físicas de proteção. Se a barreira física não for possível, deve-se atuar nos seus efeitos psíquicos.

Afinal, é sabido que os danos não decorrem necessariamente da realidade que se apresenta, mas da forma como lidamos com ela. Apesar da manipulação e do ambiente viciante, ainda está ao nosso alcance a forma de o encarar. Sempre é possível selecionar, diminuir o ritmo, ajustar os filtros ou, simplesmente, desligar o WiFi. Não precisamos agarrar tudo.

Caloria vazia

O mesmo apelo que se faz à nutrição do corpo, também serve para a mente. Somos alertados para a ingestão de alimentos orgânicos — com qualidade e alto valor nutricional — em detrimento aos produtos industrializados, calóricos-prazerosos, mas sem valor nutritivo. Para a mente, serve a mesma lógica. Devemos “ingerir” hábitos que sustentam a felicidade e fortalecem o nosso propósito — ao invés de consumir distrações alienantes que trazem o vazio existencial.

A felicidade não vem do prazer momentâneo, mas do prazer construído — também chamado de satisfação — como componente de uma parte do todo. E mais do que metas para o futuro, a felicidade também está na dinâmica desse processo: o alinhamento entre o que desejamos alcançar e o que vamos conseguindo alcançar, traz grandes doses de satisfação. A trajetória, com qualidade e sentido, traz equilíbrio para os dias e dá paz interior.

Necessário, mas não suficiente!

Ok. O espaço interno foi criado e você já está pronto para agir. Passam-se os dias e continua o estado de inação. Aonde está o freio? Às vezes não conseguimos implementar uma decisão porque ela vai contra outras partes de nós — que desconhecemos. Ou temos medo e precisamos de mais de tempo. Ou há um conflito de interesses — muito profundo — que não nos damos conta. Vivenciamos essas dinâmicas internas todos os dias.

Há certas atitudes das pessoas que amamos que nos irritam profundamente. Não sabemos o porquê, não sabemos explicar, só sentimos. Há comportamentos que julgamos inaceitáveis e traumáticos, enquanto outros consideram uma bobagem! E mais complexidade: depende do dia. Há dias em que algumas coisas podem nos irritar profundamente, e outros dias, a mesma coisa é nos completamente indiferente. Isso decorre porque o mundo nos afeta e nos modifica todos os dias. Veja quantas variáveis.

Mais entraves? Também somos comandados pelos nossos hábitos, vícios e traumas. Quantos médicos — e outros especialistas da saúde — cultivam vícios nocivos? Racionalmente sabem que faz mal, que estão em risco; tem o desejo de mudar, mas tudo permanece igual. Endeusamos o racional, mas ele é apenas uma parte. Somos feitos de muitas variáveis — muitas delas escondidas, inconscientes. É por essa razão que Nietzsche diz que o homem superior é aquele que é capaz de prometer e cumprir suas promessas. Segurar a nossa onda não é uma tarefa simples.

Repertório e vivência

E é também de Nietzsche que vem a melhor explicação (a única que faz sentido para mim) para a nossa dificuldade de implementar o bom, o bem e o belo. Para o filósofo alemão não somos corpo e alma, somos um coisa só. Uma mistura de pulsões que chegam de todas as direções. Você faz uma escolha. Pensa, mas decide não fazer. Alguns podem fazer a seguinte leitura: o corpo desejante reivindicou “um querer”; mas a alma, superior — comprometida com o bem e com o verdadeiro — vetou o “desatino”.

Nietzsche discorda. Para ele — e para outros filósofos vitalistas, como Spinoza — o corpo desejante tem uma pulsão, uma força que luta para se transformar em ato; mas é travada por outra pulsão, outra força…. E, geralmente, essa segunda pulsão é o medo. Pouco nobre, não?

Porém, a grande beleza do pensamento de Nietzsche é a afirmação de que quanto mais repertório e vivência tivermos, mais aumenta o número de forças que habitam em nós. Quanto mais forças, mais qualidade de pensamento. É o efeito em cadeia. Da qualidade de pensamento vêm as melhores escolhas. Das melhoras escolhas vem a satisfação com a vida… e com ela, todas as formas de felicidade.

Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

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